Você se depara com uma geladeira vazia, então acaba comendo o primeiro macarrão instantâneo que vê no armário. Negocia consigo mesmo e “foge” da alimentação equilibrada em um dia ruim da semana. Percebe um certo desânimo depois de comer algo gorduroso ou doce por impulso. Essas situações corriqueiras e tantas outras parecidas dizem muito sobre a complexidade da nossa relação com a alimentação e o quanto ela é influenciada pelas nossas emoções — e vice-versa.
A
nutricionista Paula Corrêa (foto) lembra que o primeiro ponto a se analisar nesse emaranhado é a distinção entre a
fome e a
vontade de comer, ou seja, entre a fisiologia e os sentimentos ou emoções envolvidas no ato de se alimentar. “A busca por prazer momentâneo no consumo de um doce, por exemplo, pode ser uma válvula de escape, que alivia, mas não resolve a ‘raiz do problema’”. Ela assinala que outros caminhos precisam ser identificados para lidar com as emoções.
“Muitas pessoas usam a comida como estratégia para regular diversos tipos de emoção, e claro que essa é uma estratégia ruim”, concorda a psiquiatra Sheila Vardanega (foto). Quando as pessoas buscam alívio na alimentação, são geralmente com alimentos ricos em açúcar, gordura e carboidrato, que dão conforto e prazer imediato, mas que não são saudáveis e podem provocar sensações de peso ou culpa.
As emoções mais associadas a um comer disfuncional ou compulsivo são estresse, tristeza, ansiedade e sensação de tédio. Mas, muitas vezes, as emoções “boas” também podem estar relacionadas, como uma comemoração ou celebração, e isso não é necessariamente ruim, depende de todo um contexto, como acontece, a frequência, etc.
Uma dieta restritiva também pode despertar sentimentos, como tristeza ou raiva. “A dieta restritiva não nos ensina a lidar bem com a comida, pelo contrário, gera efeito sanfona, altera o sistema endócrino e o humor”, afirma Paula. Sheila acrescenta: “E assim percebemos o quanto nossa relação com a alimentação é intrincada, pois são muitos os fatores envolvidos em um comportamento alimentar não saudável”.
Sistema nervoso, microbiota e alimentação
Cada vez mais surgem evidências a respeito de como nossas escolhas alimentares impactam nossa saúde mental. O que comemos pode, sim, afetar diretamente nosso humor, cognição, raciocínio e memória. Sheila lembra que há estudos demonstrando que a alimentação da gestante influencia a saúde mental do bebê. “O consumo exagerado de açúcar, gordura e carboidratos tem impacto no tipo de comportamento alimentar do bebê, que também apresenta risco maior de desenvolver transtornos de humor”.
Um outro exemplo, desta vez relacionado a pesquisas com adultos, observou a relação da dieta mediterrânea com a depressão. Foi constatado que ela reduz o risco e ainda ajuda a tratar a condição. A dieta mediterrânea é reconhecida por seus benefícios à saúde em geral e é baseada no consumo de frutas e vegetais frescos, grãos integrais, leguminosas, gorduras saudáveis, peixes e/ou carnes magras e aves, nozes, sementes, entre outros.
A qualidade da nossa saúde mental recebe muitas outras influências. Uma delas vem da produção de hormônios e neurotransmissores, estes últimos são substâncias químicas produzidas não só no cérebro, mas também no intestino (90% da serotonina do nosso organismo é produzida no intestino). A qualidade dessa produção está diretamente relacionada à qualidade da nossa microbiota intestinal, que por sua vez é determinada pela nossa alimentação.
Sheila explica que o intestino tem um sistema nervoso próprio — por isso, alguns o chamam de segundo cérebro —, composto por 100 milhões de neurônios que regulam a função intestinal e se comunicam com o cérebro por nervos e mensageiros químicos. “O eixo bidirecional intestino/cérebro já foi bastante estudado e há evidências muito robustas a respeito desse funcionamento”. Assim, se a microbiota de uma pessoa não está saudável, ou seja, se ela se alimenta mal (com muita gordura, pouca fibra, etc), isso pode gerar uma disbiose, que é uma alteração da quantidade e da qualidade dos microrganismos que vivem no intestino. “Isso pode ativar substâncias que permitem que algumas toxinas passem para o sangue, gerando uma reação imune que ocasiona uma neuroinflamação, o que está associado a doenças psiquiátricas”, explica.
Para poupar nossa microbiota, a nutricionista Paula recomenda redução no consumo de açúcar e carne vermelha. “Os prebióticos, que nutrem as bactérias boas do nosso intestino, são indicados e podem ser encontrados em alimentos como frutas, vegetais, cereais integrais e leguminosas. Os probióticos, como o leite fermentado, são bactérias, em si, que auxiliam na manutenção de uma microbiota saudável”, afirma.
Buscando o equilíbrio
Fazer escolhas boas, conscientes e consistentes e abolir a rigidez, considerando nossos momentos, é essencial para um equilíbrio na alimentação. “É preciso negociar consigo mesmo, flexibilizar nos momentos adequados. A rigidez excessiva afeta as emoções e os extremos não são saudáveis”, afirma Paula.
E como fazemos para manter esse equilíbrio? “Não tem milagre, o processo como um todo é o que conta. Mas, em regra, quanto mais natural e caseira for a alimentação, melhor. Desenvolver habilidades culinárias é outro passo importante para ampliar a autonomia e não depender de soluções prontas, que são normalmente menos saudáveis”, diz Paula.
No mundo frenético em que vivemos, o desafio é tentar desacelerar também com a comida. “Sentar à mesa, desconectar do celular, mastigar mais devagar, são poucos minutos, afinal. Olhar e sentir o cheiro da comida, voltar a valorizar a alimentação como antigamente”, são outras dicas que a nutricionista nos dá. Ela lembra que comer em família, de acordo com resultados de inúmeras pesquisas, gera resultados positivos para a saúde.
Planejando as refeições
Se há algo que pode ajudar, e muito, a se alcançar uma alimentação adequada e, assim, contribuir para a saúde mental, é o planejamento. Um ganho muito significativo nesse sentido, para quem não sabe cozinhar, seria desenvolver algumas habilidades culinárias simples. De acordo com Paula, ter comida de verdade à disposição, com ingredientes frescos e ricos em fibras, é outro ponto fundamental. E para isso é preciso organizar a rotina, criar espaço no dia a dia para as compras, por exemplo.
Para Sheila, quanto mais organizada e pré-planejada for a rotina, maiores são as chances de se fazer boas escolhas. Ela lembra que não dá para escolher o que se vai comer na hora da fome. “Cuidar da alimentação é autocuidado, envolve muita consciência e atenção. Comer saudável tem tudo a ver com ter condições emocionais para fazer boas escolhas”, diz.
Dicas para cuidar das suas emoções e da alimentação
- Pratique o autocuidado.
- Crie uma rotina alimentar.
- Alimente-se com comida de verdade e diminua o uso de processados e ultraprocessados.
- Procure ampliar a consciência sobre as suas escolhas alimentares e seus hábitos e atitudes diárias, aprendendo a prestar atenção nos detalhes.
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